25 de outubro de 2010
Um babaca convicto
Acabei de chegar do cinema, fui assistir ao filme Tropa de Elite 2. O filme é muito bem feito e não deixa de incorporar o clichê "tapa na cara da sociedade". Ele mostra, de maneira muito explícita, o que o povo brasileiro procura manter os olhos fechados para não ver. (leia matéria sobre a repercurssão do filme)
Saí da sala de cinema com mais fé no cinema nacional e com mais nojo da nossa política e da nossa corrupção que tem berço no tão aclamado jeitinho brasileiro.
A propósito, eu odeio o "jeitinho brasileiro"! E sem discursos moralistas sobre a valorização da cultura e personalidade nacional pra cima de mim. Isso pra mim é desculpa de malandro. É discurso pra quem gosta de levar vantagem em tudo sobre qualquer coisa, a qualquer preço. E pra mim as coisas não funcionam dessa maneira.
Eu já fui um entusiasta desse jargão nacional e defendia que nós, brasileiros, tínhamos uma personalidade nacional flexível, se adaptando a todas as dificuldades, fazendo milagres com a miséria que nos é concedida sob a capa de pão e circo. E ainda acreditaria nessa adaptabilidade do jargão, se ela fosse real. Quando morei fora, tive contato e experiência com alguns brasileiros. E estando fora da nossa terra, estando longe desse ambiente e respirando ares de uma outra cultura, totalmente diferente da nossa, pude perceber o quão falha é essa desculpa.
O "jeitinho brasileiro", sem tradução clara o suficiente para nossos irmãos gringos, nada mais é do que um cobertor. Ele não deixa de incluir a flexibilidade e adaptabilidade. Mas os fins a que essas características se destinam geralmente não apresentam razões tão nobres. A ideia, crua, é sim levar vantagem em qualquer situação. Quem nunca tentou furar fila no cinema? Quem nunca fingiu estar dormindo quando uma senhora entrou no ônibus ou no vagão do metrô em que você estava sentado (mesmo que fosse no assento preferencial)? Quem nunca recebeu um troco errado na padaria e além de se gabar, ainda chamou o caixa de "trouxa" por não perceber que deu dinheiro a mais?
Se você conseguiu responder "eu" à maioria dessas perguntas, fico contente que você seja mais um no caminho certo, dentro do que eu acredito que seja o caminho certo. Não espero que você tenha 100% de "eus" nas suas respostas, porque todos já passamos por pelo menos uma situação assim. E aprendemos assim com nossos pais, que aprenderam com nossos avôs e assim por diante. Você pode discordar de mim, dizer que você não se inclui nesse grupo, mas se você conseguir dizer a verdade pra você mesmo sobre essas questões, esse texto cumpre seu papel.
Há sim a possibilidade de se fazer as coisas funcionarem sem querer levar vantagem em tudo. É só respeitar o próximo como gostaria de ser respeitado. Se em vez de falsificar uma carteira de estudante pra pagar meia entrada em shows, cinema, teatro e outras atividades culturais, o povo se unisse e levantasse bandeira para cobrar de nossos governantes um incentivo maior à cultura e um investimento em boas estruturas públicas, talvez não precisaríamos dessa falsificação. Provavelmente, o preço do ingresso seria menor, por meios legais.
A legalidade geralmente demora mais, é mais burocrática. E queremos sempre o agora, o imediato. Flando em termos mais técniso, percebo isso em meus alunos, por exemplo, no ensino de um código CSS perante uma construção de site em tabelas. O código CSS demanda um planejamento um pouco maior, uma construção visual um pouco mais cuidada, mas ele demanda um investimento inicial de tempo maior. Então, todos preferem "dar um jeitinho" com a construção em tabela. Ela resolve os problemas de forma mais rápida, sem que você precisse se preocupar tanto assim com a estrutura na construção. Mas no final das contas, quando precisamos procurar algum erro num código em tabelas, a sujeira e a quantidade de gambiarras é tão grande que sinto o mesmo asco de quando olho pro nosso corrompido e imundo sistema político atual.
O exemplo que usei pode ser técnico, mas a essência é bem humana. E, com o perdão da palavra, está na merda do jeitinho brasileiro. Ser honesto no Brasil é ser babaca! Posso ainda não estar lá, mas minha luta por ser um babaca convicto no Brasil continua.
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