O texto abaixo foi publicado no Portal Imprensa. Entitulado "O Twitter e a derrocada do autoritarismo na comunicação", apesar de longo, é extremamente interessante para compreender as mudanças que essa era de redes sociais vem trazendo para a relação das empresas (sejam públicas, privadas, multinacionais, artistas, políticos, entre outros) com o consumidor.
"Nenhuma organização se sente confortável quando um consumidor tece críticas a ela, particularmente quando isso acontece publicamente, sobretudo tendo a mídia como caixa de ressonância. Ela sempre imagina que a sua imagem resultará arranhada, o que pode ser absolutamente verdade (mas será que ela não mereceu o puxão de orelhas?).
É razoável aceitar que, quase sempre, ao ser criticada, uma organização (ou mesmo uma pessoa) entra mesmo nessa zona de desconforto, se coloca na defensiva ou busca argumentos contrários (mas nem sempre verdadeiros) para neutralizar crítica etc. Esta postura é normal porque esse negócio de dar a outra face depois de levar uma bofetada não se aplica bem ao universo dos negócios.
Mas não é normal, (na verdade, parece doentio) quando uma organização se empenha para calar as críticas, promove represálias aos descontentes ou ameaça com processos jornalistas e cidadãos que, merecidamente, resolvem pisar-lhe no pé. Encastelada na sua arrogância, não admite que possa estar errada ou que deva existir espaço no mercado e na sociedade para posições divergentes. Querem governar magnanimamente e desfilar sob aplausos. Mas está cada vez
mais difícil conseguir ou impor unanimidade.
Há uma explicação (justificativa nunca!) para essa postura: as organizações costumam ser autoritárias simplesmente porque seus diretores (ou gestores em geral) ainda estão, em sua esmagadora maioria, amarrados a uma cultura retrógrada, dinossáurica, que encara as críticas como ameaças. Eles não conseguem perceber sinais de alerta ou mesmo sugestões brilhantes que brotam do terreno da boca ou da pena (mais recentemente da tecla) do adversário.
As empresas privadas ou públicas muitas vezes assumem esta atitude autoritária com o objetivo de instituir o silêncio, a falsa excelência de ações e processos, porque não estão dispostas, capacitadas a enfrentar as divergências. Fala-se muito em diversidade cultural, mas, na prática, são transgênicas, não diversas, defendem a tese da opinião unânime e, evidentemente, a seu favor. Proclamam-se sustentáveis, mas praticam o marketing verde e usam o discurso da responsabilidade social como disfarce.
A cultura da arrogância pode ser vista na postura da Petrobrás (a empresa camaleão - meio pública e meio privada) e, em particular do seu presidente (ganhou por causa disso até editorial do Estadão), que busca a todo custo, valendo-se do seu lado público (relação não transparente com governos e partidos), impedir que a CPI coloque o dedo nas suas feridas (vai ver elas são muitas e a Petrobras é muito sensível a dores!). Criou blog (e fez bem), afrontou os jornalistas (aí fez mal) e, respaldada no seu imenso poder econômico (seu lado privado), continua tentando, a todo momento, sufocar as divergências (mas, como diz o ditado, algumas coisas tendem a cheirar mal quanto mais se cutuca), hasteando a bandeira da transparência.
A cultura da arrogância pode ser encontrada na Telefônica que sempre buscou mascarar as suas mazelas tecnológicas e de pessoal até que os apagões e caladões na banda larga e na telefonia fixa não couberam mais debaixo do tapete. Fingiu pedir desculpas (funcionou uma vez), usou a mesma estratégia novamente, insistiu ainda de novo, mas, como só o discurso não resolve problemas reais, teve que pedir arrego e prometer investimentos imediatos (é bom ficar de olho porque culturas assim são melhores para prometer do que para cumprir). Está com a venda do Speedy suspensa, o que deveria mesmo acontecer até que ela arrumasse a casa, um desarranjo de dar dó (ostenta com galhardia o título de campeã de reclamações há muito tempo).
O momento exige mudanças. As organizações precisam, por uma questão de sobrevivência, conviver com a divergência porque ela será sempre maior, tendo em vista o aumento da concorrência, a visão mais crítica dos consumidores e o avanço da legislação que tolera cada vez menos abusos (embora a Justiça seja conivente com os faltosos, vide o Senado brasileiro, paraíso de mordomos, sobrinhos, netos e mausoléus!).
Um exemplo interessante foi relatado em reportagem da BusinessWeek, publicada no Valor Econômico (22/06/2009, p. B3) sob o título "Na Nokia, falar 'mal' da companhia dá recompensa". Segundo matéria assinada por Jack Ewing, diretamente de Frankfurt, Alemanha, " no terceiro trimestre de 2008, a Nokia estabeleceu uma intranet chamada Blog-Hub, abrindo a rede aos funcionários blogueiros de todas as partes do mundo. Escrevendo sob pseudônimos como "Hulk" e "Agulha", os funcionários podem ser cruéis, atacando seus empregadores por tudo, desde as práticas de compras à velocidade do software dos celulares. Em vez de 'acabar com a festa', os administradores da Nokia querem que eles 'botem tudo para fora".
É evidente que as críticas toleráveis, mesmo na Nokia, limitam-se a produtos e processos, mas isso já é um avanço. Falar das chefias incompetentes talvez não seja razoável na Dinamarca como não costuma ser em qualquer empresa brasileira. Que funcionário da Petrobras teria coragem de dizer ao Gabrielli que ele é arrogante? Que funcionário da Telefônica terá coragem de dizer ao Valente (com esse nome fica mais difícil mesmo!) para ele parar de vender Speedy porque não há estrutura que suporte tanta ligação? Mas a gente pode, o Estadão pode, a Aneel pode e, eles gostem ou não, vão ter, como diz o Zagalo, que
engolir sem mastigar.
As empresas não estão mais, embora algumas insistam em fechar os olhos para a realidade, blindadas contra as críticas porque as redes sociais, o Twitter, o Orkut, os blogs, os grupos de discussão, passaram a ser ambiente propício para esta modalidade nova de "rádio peão"eletrônica para a qual não há controle e censura que dêem jeito. Basta não andar na linha, basta desrespeitar o consumidor, praticar o assédio moral contra funcionários (será que o ambiente da AmBev já melhorou depois de tantos processos movidos por ex-colaboradores?) ou prejudicar os investidores (que a Aracruz e a Sadia tenham aprendido a lição!) para que a comunicação máquina-a-máquina funcione a todo vapor. E o ruído silencioso das redes sociais , da comunicação eletrônica é mais devastador do que o dos megafones e carros de som tradicionais.
Não há saída: a sociedade conectada não favorece o controle, torna ineficaz a estratégia antiga (infelizmente ainda utilizada em centenas de cidades brasileiras por empresas e autoridades) de cooptar veículos de comunicação em troca de anúncios, por amizade etc ou mesmo de ameaçar jornalistas/radialistas que insistem em denunciar escândalos políticos ou econômicos.
Hoje somos milhões de cidadãos mobilizados e munidos de trombones digitais para literalmente botarmos a boca no mundo, se necessário. Não dá para subornar todos nós, silenciar todos nós, mesmo porque, felizmente, sempre existirão muitos, cada vez mais, que repudiam ameaças e não se vendem por coisa alguma. Há um rascunho de cidadania planetária sendo escrito em cada jovem que nasce neste mundo conectado, mas ainda devastado, contaminado por agrotóxico, sem ética e sem solidariedade humana. Essa geração, se não reprimida, pode alterar as regras do jogo que foram impostas há tempo por corporações poderosas, governos totalitários, parlamentares corruptos e empresários inescrupulosos.
As empresas devem contemplar as críticas como sinais de alerta porque boa parte delas se origina de motivos concretos ou até da sua incompetência em estabelecer diálogo com os seus públicos de interesse. Muitas preferem monitorá-las com o objetivo de desenvolver ações de intimidação ou de cooptação (continuam acreditando que toda pessoa tem seu preço!) em vez de ouvirem com mais cuidado e respeito porque consumidores, funcionários, na maioria dos casos, apenas querem colaborar, ainda que o tom não seja em princípio cordial (o que faria você se ficasse sem telefone ou internet o dia todo e dependesse deles para fechar negócios, conversar com parentes e amigos?).
As organizações precisam recrutar pessoas, especialmente líderes autênticos (há chefes que não lideram coisa alguma e que só se impõem pela possibilidade que as empresas lhes dão de chicotear aqueles que os contestam), que estejam dispostos a esta interação com humildade, praticando, interna e externamente, uma autêntica gestão de informações e de conhecimentos.
Os consumidores e a sociedade tendem a ser cada vez mais plurais em contraposição à tendência monopolista dos mercados. Mas essa conta, que não fecha, não será resolvida com tranqüilidade porque os espaços de comunicação e de crítica se tornarão cada vez maiores e mais ruidosos. Contra a pressão de gravadoras e editoras, compartilhamento de material (arquivos, músicas) na web; contra software proprietários, o software livre. Contra Gabriellis e Agnellis, se postarão Silvas, Joãos e Antônios que não curvam a espinha. Contra congressistas sem ética, existirão blogueiros e twitteiros com a língua afiada e os dedos ligeiros.
Seremos todos piratas (no bom sentido) no futuro, mesmo que essa realidade pareça distante neste momento. Teremos que compartilhar valores, saberes, informações, conhecimentos se quisermos sobreviver em paz.
Até que isso aconteça, o negócio é resistir ao autoritarismo (o exemplo de Honduras indica que as ditaduras são cada vez menos toleráveis) de chefias, de empresas, de governos. Contra a censura, a auto-censura e o grito, usaremos o sarcasmo, a ironia, a conversa ao pé do fogo. Contra Davos o Fórum Social. Contra latifúndios (na agricultura e na mente), lançaremos mão da nossa opinião diversa, avessa à transgenia cultural e defenderemos, com veemência, a bio e a sociodiversidade.
Comunicação democrática, diálogo, relacionamento saudável são atributos de uma organização moderna e, ainda que lentamente, a utopia da prevalência da solidariedade humana se fortalecerá porque, gradativamente, este será o desejo (e a necessidade) de todos nós.
As mulheres do Irã, os agricultores familiares, os excluídos pelas barragens, os indígenas e quilombolas expulsos pelos grandes projetos de mineração e de papel e celulose (vide Aracruz no Espírito Santo!), os trabalhadores escravizados por madeireiras e usineiros sem escrúpulos encontrarão mais facilmente vozes para defendê-los. O meio ambiente preservado já é, por exemplo, uma aspiração de todos nós e essa luta nos mobiliza planetariamente. Bush já era, assim como perderão voz e vez o presidentes arrogantes das empresas nacionais e internacionais.
Entramos na era das redes, dos movimentos organizados, da comunicação crítica e, neste novo cenário, as organizações e os governos terão que fazer o jogo da contemporaneidade.
Twitter, Orkut, "rádio peão" e blogs irreverentes serão nossas enxadas eletrônicas contra empresas e chefias autoritárias. Um dia, aquela frase hipócrita - "o funcionário é o nosso maior patrimônio " (não é, Embraer?) - deixará de ser apenas um discurso vazio que freqüenta folders e vídeos institucionais e vigorará na prática.
As organizações e governos que quiserem "pagar para ver" levarão um tranco fenomenal. Quando a utopia se transformar em realidade, não haverá espaço para ditadores ou privilegiados, em Honduras ou no Senado. E isso só acontecerá, se acreditarmos nisso e estivermos dispostos a realizar as mudanças necessárias. O Twitter, o Orkut, os portais, os blogs são a nossa nova arma. Estamos nos preparando para a luta. E você está convidado.
As novas gerações darão o golpe fatal nas empresas, governos, oligarquias e patrões que, depois de terem avançado sobre o nosso passado, ainda tentam impedir no presente que a gente construa o nosso futuro.
Twittemos todos. A verdade é filha do tempo e não da autoridade (Goeth?)."
[Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.]
6 de julho de 2009
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